‘Descobrimos 160 mil alunos matriculados que inexistiam’
Risolia é secretário desde outubro de 2010: 'Encontramos 686 turmas com alunosde 15 anos estudando com colegas de 40 a 84 anos' | Foto: Marcelo Regua / Agência O Dia
de 15 anos estudando com colegas de 40 a 84 anos' | Foto: Marcelo Regua / Agência O Dia
ODIA: Desde o início da sua gestão na Secretaria de Educação, o senhor tem feito pente fino na rede. O que o senhor descobriu?
WILSON RISOLIA: — Descobrimos alunos sem nota no sistema, mas com frequência. Se uma turma começou com 40, voltam 30 provas. Eles abandonaram? Esperamos mais uma avaliação e, de repente, esse aluno ganhava nota e não tinha frequência. Percebemos alguma coisa mais estranha ainda. Esperamos mais um pouco e, em seguida, ele não tem nem uma coisa nem outra. Fomos ver o que estava acontecendo. Deu um trabalho danado. Fizemos inspeção nas escolas. E descobrimos que havia 160 mil alunos que estavam matriculados mas que inexistiam. É importante saber. Foi fruto da limpeza na base de dados. Cruzando informação. Se havia casos de escolas que aumentavam o número de matrículas, era na margem. Prefiro acreditar que era falta de planejamento.
Mas as escolas não recebem verba conforme a quantidade de alunos? Elas receberam verba a mais?
Pode ter acontecido. Tinha gente que não sabia mexer no sistema. Gerir uma escola passa por administração de conflito, gestão orçamentária. Receber dinheiro não é simples. Esse gestor é um profissional que não tínhamos. É o gerente com visão estratégica, mas na rede pública não receberam essa formação. As tecnologias e as famílias mudaram. O profissional tem que ser treinado.
Quanto as escolas recebem por ano para gerir?
No total, R$ 350 milhões para merenda e manutenção.
O estado economizou recursos que deixaram de ir para essas escolas?
Posso falar de outra maneira. O nosso investimento por aluno, que era de R$ 2.700 por ano, subiu para R$ 4.062 no período. É extraordinário. Alocamos os recursos em prol dos que estão de fato na rede. Os alunos estão se alimentando melhor, estudando em escolas com infraestrutura melhor, com parte pedagógica melhor, porque passou a ter o currículo mínimo.
O problema foi corrigido?
Foi. Exoneramos diretores e refizemos nosso cadastro de alunos que atualmente tem 1.045.000 estudantes.
Nessas escolas, havia interferência política, como diretores indicados?
Posso dizer que, quando nós tiramos os diretores, houve uma confusão danada e muita chiadeira.
Com tanta mudança, o senhor sofreu muita pressão?
Havia muita interferência política em todos os níveis. Era verticalizada, de baixo para cima. Isso não é bom. Você precisa ter gente certa no lugar certo. Quando isso ocorre, não é fácil gerir uma rede com esse nível de indicação, da faxineira à merendeira, do adjunto ao diretor geral. Gerir uma pasta envolve muita logística. Não é só a parte pedagógica. Em São Paulo, há uma fundação que cuida de toda a infraestrutura. Aqui você está pensando no ônibus, no transporte rural, em obras, na compra de móvel, uniforme, reforma. E até conteúdo. Para gerir tudo isso, é preciso ter qualificação gerencial. A logística é complicada porque passa pelo orçamento. Comprar o quê, quando e a que preço.
Que outras distorções o senhor encontrou na rede durante o diagnóstico?
Uma discrepância muito grande de idade nas turmas das escolas compartilhadas com o município. Encontramos 686 turmas com alunos de 15 anos estudando com colegas de 40 a 84 anos. E mais outras 546 turmas com estudantes de 16 anos convivendo com alunos de 40 até 87 anos. Não tem como dar certo. Nós mexemos em 6 mil turmas. Extinguimos a que não tinha alunos. Em uma mesma escola, duas turmas tinham quatro alunos. Juntamos oito numa sala só. Havia muitas escolas nessa situação. Melhorou bastante, mas ainda estamos corrigindo.
Isso explica o péssimo desempenho das escolas da Região Metropolitana nas avaliações do MEC?
Não explica tudo, mas explica muita coisa. Aluno sem aula, falta de professores, turmas com essa diferença de idade, 23% da rede ruim ou péssima, ausência de currículo mínimo, de avaliação diagnóstica. Tudo isso junto explica tudo. Vamos sediar uma Olimpíada e não podemos perder o ciclo econômico que a cidade está vivendo. Nós pegamos um estado da Região Sul com bom desempenho no Ideb e fizemos um cálculo. Em quantos anos no ritmo antigo eu chegaria na situação atual deste estado no Ideb? Vinte e dois anos. Sem dúvida, são 22 anos em que não se investiu na Educação do Rio, foram duas gerações de jovens que se perderam.
O Rio pretende ficar entre os cinco primeiros no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) até 2014. Uma meta agressiva. Que posição o Rio terá este ano?
É uma conta que já fizemos, mas não vamos divulgar. Vamos aguardar o resultado do Ideb. Posso dizer que estamos dentro do programado. Para chegar no topo, fizemos um cálculo simples. Qual o esforço que o Rio precisa fazer para sair do penúltimo lugar (à frente apenas do Piauí) e suplantar o crescimento dos outros estados para estar no topo em 2023? Se não tivéssemos feito nada, considerando que os estados vão crescer como vêm crescendo nos próximos anos, o Rio ficaria no último lugar, uma notícia que seria estampada na primeira página. Não queremos isso. Essa curva de longo prazo tem cortes anuais de metas a serem atingidas. Em um ano posso estar em 20º, no outro em 17º, até chegar no alto.
Foto: Arte O Dia
As metas dependem do desempenho das escolas.
Cada escola tem sua realidade. Traduzimos essa meta, escola por escola, com base nas avaliações do Saerj (Sistema de Avaliação do Estado do Rio). Cada uma fez a prova, com todas as suas dificuldades. A cada avaliação — a próxima é dia 25 — se calcula a meta geral, a meta das regionais e dos 250 gestores, responsáveis por cinco ou sete escolas. Cada escola sabe a sua. A cada avaliação, você calcula o desvio da meta. Se foi para cima, luz verde; se apontou para baixo, sinal vermelho. Temos plano de ação para corrigir o desvio. Se estiver acima, ótimo. Se estiver abaixo, a atenção é redobrada. O plano para corrigir o problema passa pela formação de docentes, combate à defasagem idade-série, reforço escolar no turno e contraturno, pela prevenção da gravidez na adolescência e pela redução do número de alunos por turma.
Qual é o déficit de professores na rede?
Em 2010, faltavam 11.773 professores em sala de aula. A carência diminuiu para 1.400. No fim de 2010, havia 226 mil tempos sem aula e, atualmente, são 60 mil. Ainda é muito. As disciplinas com maior carência são Física, Química e Matemática. Em São Gonçalo, havia um problema crônico no Ensino Fundamental. Não fazíamos mais concurso para Fundamental, mas o aluno continua chegando. Agora, quase conseguimos zerar a carência no município. Fiquei superfeliz.
O que tem sido feito para zerar esse déficit de professores e tempos vagos?
Desde 2007, saíram 20 mil professores. No mesmo período, 32 mil foram contratados. Tem aí um líquido de 12 mil professores que ficaram na rede. Este ano, chamamos 1.441 professores e tem mais chegando. Vamos preencher 2 mil vagas em regime de 30 horas e 500 vagas de 16 horas. Do total, 1.500 serão convocados para este semestre e o restante, para o segundo semestre.
O DIA: Qual a maior dificuldade para resolver o déficit de professores?
Nossa relação é de um professor para 16 alunos, uma das melhores do Brasil. Porém, tem a armadilha da carga horária de 16 horas. Tem que ter muito cuidado. Tentamos oferecer 30 horas para professor de 16h nas disciplinas com maior carência. Seria razoável. Mas não pode. Se abrir para um, tem que abrir para todo mundo. O risco era migrar quem você não precisa. Aí, você aumenta o seu custo e não resolve o problema do déficit. É um desafio para o estado fazer essa transição. À medida que for saindo, vamos substituindo pelo professor de 30 horas. Vai demorar algum tempo. Hoje, mais de 70% dos professores da rede fazem 16 horas.
Como evitar que professores deixem o magistério?
A carreira do magistério para o País não é simples. Por isso, não é fácil pagar bem. Não tínhamos estratégia de remuneração com benefício. Tinha o plano de cargos, mas faltava planejar a evolução do salário ao longo do tempo. Planejamento era zero. Não tenho nenhum receio de falar. Os planos eram muito a curto prazo. Não se sabia o que fazer daqui a seis meses. Hoje temos a linha do tempo muito bem organizada para os próximos 11 anos. Mas, por questões óbvias, tem que haver cortes a cada quatro anos, por causa das eleições. Se trocar, alguém pode mudar os planos.
Muitas escolas ainda estão em situação bastante precária. O que tem sido feito para resolver isso?
Encontramos um quarto da rede em situação ruim ou péssima. Temos 400 escolas com necessidades grandes. O ano tem 365 dias. Se tivesse uma obra por dia, em um ano ainda vão faltar cinco escolas. Não tem jeito. É impossível dar conta de todas ao mesmo tempo. Temos que priorizar. De 2011 até março, entramos em 542 escolas com algum tipo de intervenção. É muita coisa. Tem de tudo, caixa-d’água, telhado, muito problema na parte elétrica. Se não planejar, o ar derrete o fio. A rede não suporta a sobrecarga. Segura o ar-condicionado, resolve a parte elétrica. Praticamente não fizeram investimento. Não pode em uma casa com cinco indivíduos ficar sem pintar por dois anos. Imagina ficar sem reformar uma escola com 500 meninos em três turnos usando banheiro, escada, salas de aula! Este ano, a meta é gastar R$ 240 milhões em obras.
Mas por que não concentrar esforço nas piores?
A prática mostra que, de repente, o que era ótimo fica péssimo. Em Teresópolis, uma escola que estava boa está com desabrigados. Esse quadro sofre essas variáveis. Nesse início de ano tivemos problema nas regiões Noroeste e Norte fluminense. Com o investimento, nós tínhamos 7% de ótimas que passaram para 9%; tínhamos 31% de boas que aumentaram para 33%. A ruim caiu de 22% para 17% e a péssima, de 1% para 0,8%. Não devemos permitir tantas escolas em situação ruim e péssima. A meta é que em 2014 só haja escolas ótimas e boas.
Quando o senhor assumiu, havia grupos para estudar processos críticos. Que soluções foram apresentadas para a merenda?
Recebíamos denúncia de alunos que comiam macarrão com salsicha a semana toda. Depois, a conta não fechava. O valor era R$ 0,40 para merenda por aluno, que não garante a segurança alimentar. Passamos para R$ 1,12. Não dava para mexer no orçamento, que já veio pronto para 2011. Como fazer? Com um grande investimento em controle da prestação de contas. Com o cartão você sabe o que foi gasto ontem. Não é vigilância. Precisa saber o saldo que a escola tem. Se mandamos R$ 10, queremos saber como ela gasta essa quantia. Não é vigiar no mau sentido. O modelo começou pelas cidades com menor IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) em Japeri, São Gonçalo, Belford Roxo. Este ano será estendido para toda a rede.
E no transporte escolar, o que foi feito?
Todo ano vocês faziam matéria no início do ano letivo dizendo que havia milhares de alunos sem cartão. Este ano nos antecipamos ao problema. Fizemos 90 mil cartões RioCard de passe livre provisórios até os definitivos estarem prontos para não prejudicar quem aguarda a escola tirar fotos. Hoje são 805 mil cartões ativos. Em 2010, eram 1 milhão 457 mil. Queremos transferir para as secretarias municipais os recursos para gestão do transporte, inclusive o rural.
Dos professores que estavam cedidos a outros órgãos, quantos retornaram à rede após convocação?
Nós conseguimos o retorno de 400 docentes de um total de 2 mil cedidos. Pagamos remuneração de R$ 300 para áreas de difícil provimento, auxílio-transporte, auxílio-qualificação só para regente de turma. Foi um chamariz. Tínhamos 11 mil professores com licenciatura que eram DOC 2 (1º a 5º ano do Ensino Fundamental) e não podiam dar aulas para o Ensino Médio. Por decreto, o governador os autorizou a dar aulas para o 2º segmento (6º ao 9º anos e Ensino Médio). Ajudou bastante. Tínhamos 53 mil professores regentes, agora são 63 mil. Na municipalização das escolas, também sobraram professores.
Há previsão de reajuste?
A gratificação do Nova Escola será incorporada ao salário dos professores. Eles não consideram, mas é aumento. O Rio paga acima do piso nacional. Nove estados pagam só o piso. Tem que melhorar? Tem. Mas já fizemos bastante coisa. Saímos de R$ 500 para R$ 1.000. Esse é o vencimento-base. A classe tem os triênios que aumentam o valor.
Em 2011, a categoria ficou 62 dias em greve por reajuste. Este ano, o Sepe está com a campanha nas ruas exigindo o fim do sistema de meritocracia.
Ser contra a avaliação é tirar desses jovens uma oportunidade que eles nunca tiveram. A avaliação serve para fazer a correção de rumo no ensino. Sem ela, não se consegue saber qual o tamanho do problema. Não é justo com esse jovem. Quando os professores aprovam (os seus alunos) não é um reconhecimento do mérito? Por que eles têm o poder de aprovar e são contra a meritocracia? O bônus é coletivo. Não é individual. Se o time for bom, todo mundo ganha. Do goleiro ao roupeiro. Não faz sentido ser contra isso.
Que medidas foram adotadas para evitar superlotação das turmas?
Este ano, medimos o tamanho de todas as salas e travamos o sistema para evitar excesso de matrículas. Encontramos os extremos. Salas com zero a quatro alunos nas turmas do noturno com professor. E turmas com mais de 50 alunos e com carência de professor. Havia salas superpovoadas. Não resolvemos todo o problema, mas caiu bastante.
De que forma?
Dobrando a oferta de vagas. Vamos entregar várias unidades, na Pavuna, Bonsucesso, Gamboa, Andaraí, Campo Grande, Bangu, Senador Camará. Muito dos investimentos são para novos prédios programados para este ano. Todos devem começar a funcionar no próximo ano letivo. A maior oferta será para estudantes da Zona Oeste, onde havia pouquíssimas vagas no horário diurno. São 2.500 novas vagas de diurno nessa região, onde se tinha muitos jovens estudando à noite. Andaraí e Tijuca são bairros onde há muita escola compartilhada com o município (alunos da prefeitura estudam pela manhã e à tarde, e os do estado, em turmas da noite). Em Bonsucesso vamos ter unidade que receberá alunos da Olga Benário, que está muito ruim.
O Ensino Médio é um buraco negro no país todo. Como evitar a evasão desse aluno?
Mais de 90% dos nossos jovens querem fazer curso superior, de acordo com pesquisas que fizemos. Isso quebra alguns mitos. Eles querem fazer faculdade. Não fazem porque não conseguem. A participação no Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) é baixa entre os nossos jovens porque eles não têm a expectativa de chegar à universidade. Eles desejam que o Ensino Médio abra portas para o mercado. Se é isso o que ele quer, por que não fazer? A nossa meta é que 100% das escolas de Ensino Médio tenham ensino técnico em 11 anos.
Melhorias em duas escolas precárias após reportagem
Duas dos 400 escolas estaduais com graves problemas de infraestrutura foram destaque em O DIA em dezembro. O Colégio Irmã Dulce, em Cosmos, era imundo, com as paredes manchadas de cocô de pombo. Lá, mariola era servida como refeição. A merenda era precária também no Colégio Vilma Atanázio, em Campo Grande, onde alunos passavam mal de calor e se revezavam nas salas pequenas, sem janelas e com goteiras em dias de chuva.
Cinco dias após a reportagem, 20 funcionários da Secretaria de Educação fizeram faxina na Irmã Dulce. A promessa é de reforma total para o início do ano letivo de 2013, com novos refeitório e cozinha.
O calorão que os estudantes eram obrigados a suportar no Vilma Atanázio deu lugar a salas refrigeradas. A inauguração da reforma da escola foi dia 28 do mês passado. O pão com guaraná servido de merenda foi substituído por feijão com arroz, carne e salada após obra na cozinha, equipada para preparar três refeições por dia. A unidade ganhou também uma sala multimídia.
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