BELO HORIZONTE - A menos de um mês do
início da campanha para prefeituras e câmaras municipais, a Justiça brasileira
ainda não deu fim a um grande passivo de ações da corrida às urnas de 2008. Só
no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), última instância, há 1.615 processos pendentes,
mais da metade referente a corrupção eleitoral. Uma inércia que favorece
acusados de compra de voto, abuso de poder econômico e político, fraudes e
caixa dois. Muitos podem voltar a se eleger este ano.
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O levantamento, feito pelo GLOBO, é baseado em
dados do TSE. Da lista de processos, constam candidatos eleitos e derrotados.
Além de ações ajuizadas pelos Ministérios Públicos dos estados, há muitas em
que vitoriosos e fracassados se acusam de irregularidades. Dos 1.615, nada
menos do que 858 processos se referem a suspeitas de corrupção eleitoral — em
geral, casos de abuso de poder econômico, associados aos mais variados
artifícios de compra de voto.
Os candidatos, cuja situação na Justiça continua
indefinida, são acusados de oferecer dinheiro, material de construção,
combustível, atendimento médico e todo tipo de serviço em troca de apoio.
Também é extensa a lista dos que foram denunciados por se aproveitar do comando
da máquina pública para levar vantagem na disputa, a exemplo do uso de dinheiro
público para autopromoção em propagandas institucionais e do investimento
maciço em assistência social às vésperas do pleito.
O TSE ainda não apreciou em definitivo 221 ações
sobre prestações de contas de campanha, o que inclui denúncias de doações
ilegais, despesas superiores à arrecadação e fornecedores não identificados.
Hoje, a lei proíbe que candidatos com contas desaprovadas se elejam em outros
pleitos, mas a vedação depende de decisão da Justiça. No Congresso,
parlamentares tentam aprovar projeto que libera os chamados contas-sujas para
se candidatar.
Na lista de ações, há ainda 160 que tratam de
propaganda eleitoral supostamente extemporânea, caluniosa ou abusiva. Os casos
de impugnação de candidaturas, não raro por desaprovação das contas do
candidato no exercício de cargos públicos, são normalmente os primeiros a
tramitar em eleições, mas continuam sub judice. Ao menos 80 ainda não passaram
pelo crivo do TSE. Somam-se a eles 158 processos de políticos que mudaram de
legenda depois de eleitos e, por isso, foram acionados por infidelidade
partidária.
Mais da metade dos casos pendentes chegou ao TSE
há pelo menos um ano e meio. Do total, 884 foram protocolados entre 2008, ano
das eleições, e 2010, após a tramitação nos tribunais regionais eleitorais,
que, em muitos casos, também é arrastada.
A situação cria impasses como o da prefeita de
Campos, Rosinha Garotinho (PR), cassada por duas vezes nas instâncias
inferiores, mas que se vale de um recurso especial em tramitação no TSE.
Acusada de usar um programa de rádio apresentado pelo marido, o deputado
Anthony Garotinho (PR), para se promover, a ex-governadora protagonizou
momentos dramáticos em sua batalha judicial. Em setembro do ano passado, quando
foi afastada do cargo pela segunda vez, trancou-se na prefeitura, alegando que
só sairia dali algemada.
Apesar da evidente morosidade, a Justiça
Eleitoral é, ainda assim, considerada a mais célere de todas. Na visão dos
especialistas, o maior problema não é a estrutura emperrada dos tribunais, mas
o excesso de recursos, que permite às partes manobras protelatórias a perder de
vista.
— Esses casos em que os advogados ficam
protocolando recursos para atrasar a decisão dos tribunais são inconcebíveis. É
necessária uma mudança urgente na legislação para que se diminua a
possibilidade de recursos — avalia o coordenador eleitoral do Ministério
Público de Minas, Edson Resende.
CNJ DEVE
FISCALIZAR PRAZO DAS AÇÕES
As 1.615 ações pendentes compõem a lista de
14.070 processos protocolados no TSE referentes às eleições de 2008. Apesar de
a avaliação beirar a 90%, um dos diretores do Movimento de Combate à Corrupção
Eleitoral (MCCE), o juiz Márlon Reis, argumenta que a justiça eleitoral não
pode ser considerada assim tão rápida e não pode ser comparada às outras
justiças. Para ele, os tribunais eleitorais devem dar respostas imediatas. Reis
diz que a demora em avaliar ações traz prejuízos incalculáveis aos cidadãos.
— Um só caso de atraso nesses julgamentos de
processos eleitorais é indesculpável. Um só já seria muito grave. A sociedade
brasileira sofre com isso. Inclusive, a Lei da Ficha Limpa tem um artigo em que
prevê o monitoramento pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) desses processos.
A gente espera, aliás, que isso seja feito a partir dessas eleições, já que até
agora, não está sendo cumprido.
Pelo texto, o Ministério Público e a Justiça
Eleitoral devem dar prioridade aos processos de desvio ou abuso de poder
econômico. E o CNJ deve fiscalizar se os prazos do trâmite dessas ações estão
em dia.
Procurado pelo GLOBO, o CNJ não se pronunciou. Em
levantamento do órgão de 2010 sobre o cumprimento de metas no Judiciário,
último divulgado, não constam dados do TSE. Mas o panorama em alguns TREs, que
influenciam na velocidade com que os casos vão parar no TSE, está aquém do
estipulado pelo CNJ.
Em 2010, Rio Grande do Norte, Paraíba,
Pernambuco, Amapá, Piauí, Rondônia e Acre não haviam cumprido sequer a metade
da meta de julgar todos os processos distribuídos até 2007.
CÁRMEN LÚCIA DIZ
QUE PRIORIZA AÇÕES
A presidente do Tribunal Superior Eleitoral
(TSE), ministra Cármen Lúcia, alegou, por meio de sua assessoria, que tem
colocado na pauta dos julgamentos todos os processos prontos para votação, após
o trâmite interno. A ministra disse também priorizar casos de 2008 que tenham
algum impacto no pleito deste ano. Segundo o TSE, ela não pode interferir no
ritmo e no critério de prioridade das análises dos processos por outros
ministros, uma vez que eles têm autonomia.
Ainda de acordo com o TSE, Cármen Lúcia está
acelerando a implantação do processo eletrônico na Justiça Eleitoral. A
expectativa é que o trâmite das ações fique mais rápido, porque todo o
“trajeto” delas seria feito pela rede de computadores, diminuindo o tempo gasto
em cartórios para protocolar processos.
O advogado da prefeita de Campos, Rosinha
Garotinho, alegou que a prefeita recorreu ao TSE por não concordar com a
acusação de que teria se promovido em programa de rádio. Segundo Jonas Lopes de
Carvalho Neto, todos os outros pré-candidatos foram convidados para dar
entrevistas ao programa.
Já o advogado do prefeito de Praia Grande,
Roberto Francisco dos Santos (PSDB), alega que o cliente não comprou votos nas
eleições de 2008. Para Paulo Escanhoela, as provas apresentadas são precárias e
as testemunhas se contradizem nos depoimentos sobre o caso. O prefeito de
Marcionílio Souza (BA), Edson Ferreira de Brito (PMDB), não foi localizado.
Fonte: O Globo